quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

De arrepiar...



Amo romances e biografias...
Certamente são as leituras que mais aprecio nos últimos anos.
Já li muita filosofia, teologia, mas hoje gosto de pegar um romance água com açúcar de autores como John Grishan e Nicholas Sparks e apreciá-los.
Gosto de biografias.
De homens de sucesso e de missionários. Estes me dão a impressão de que o que faço é muito pouco, mas encorajam muito o meu coração e me desafiam tremendamente.

Em 2011, recebi do Faustino Jr, um livro autobiográfico de sua mãe, D. Francisca Serafim dos Santos, que apesar do título despretensioso “A menina que espantava pássaros”, me trouxe grandes inspirações. Ela era esposa do Rev. José Faustino, e nasceu na fazenda Areias-RN, nos idos de 1930, que como ele mesma afirma “era outro mundo”. Tenho a alegria de conviver com Débora, sua filha, uma brilhante doutora e professora universitária, casada com meu amigo e colega Rev. Heráclito- que moram em Anápolis.
Quando D. Francisca e Pr Faustino moravam em Salgueiros, ao voltarem de uma congregação da igreja, tiveram uma experiência de arrepiar...

“Tava bem escuro, eram pelas 11 horas da noite, nenhuma luz, exceto os faróis do Jipe na estrada de terra entre as moitas de mato. De repente vimos a uns 100 metros à frente um casal de noivos: a noiva toda de branco com um véu, segurando uma grinalda, de braços com o noivo. Ele alto e magro, todo num elegante terno preto. O Jipe foi se aproximando e nós vimos que não tinha mais ninguém na estrada além dos noivos. Eles vinham andando na direção do jipe de frente par nós, na beira da estrada. José diminuiu a marcha e fomos chegando, chegando, e passamos bem perto deles, eles vinham pelo lado do motorista. Quando estávamos passando, eles olharam para nós e sorriram sem dizer nada. Os rostos eram pálidos, olhos fitos em nós e um risinho leve. Um arrepio transpassou minha espinha. O jipe passou. Jose também se arrepiou , ficamos pálidos e mudos, uns 50 metros na frente jose parou. Olhamos para trás, só escuridão e poeira, José observou:
-Preta, não tem mais ninguém na estrada. Donde esses noivos apareceram?
Curioso, José manobrou o Jipe na estradinha estreita, fez a volta e focou os faróis na estrada. Esperamos a poeira sentar e... nada, nem sinal dos noivos! José deu marcha no jipe e voltou bem devagar até mais ou menos o ponto onde passamos por eles. Nada, nada!
-Vige, Preta, vamo simbora depressa! – disse.
Manobrou rápido o jipe, deu meia volta e acelerou à toda. Nunca esqueci aquela cena. Não temos explicação. O que foi aquilo? Como explicar essas coisas? José acredita que foram manifestações do maligno para dar medo na gente, ja que não cremos em fantasmas. Só pode ser isso. Mas se era para dar medo, conseguiu, pois ficamos mesmos arrepiados na hora. Já pensou, no meio do mato, naquela escuridão toda? Mas passado o susto, chegando em casa, oramos e fomos dormir tranquilos.

-->
(...) Embora a gente nunca fizesse alarde isso sempre causava medo, é claro, na hora, mas depois acabou virando mesmo boas histórias para contar nos alegres encontros em família, junto a outras dezenas de causos de malassombro que o povo contava e que fa parte do folclore do sertão”. 



Do livro, A menina que espantava pássaros, Francisca Serafim dos Santos, Sao Luiz-MA, 1a Edição, 2010, Pg 113,114.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

O mundo dos “espíritos”



Conheci o diácono Benigno na cidade de Gurupi-TO nos meus tempos de menino. Até hoje temos relacionamento com sua família, porque o meu pai “adotou” dois rapazes como “filhos do coração” e na sua festa de 80 anos, resolveu convidar apenas estes dois para o evento. O Natalino e o Lourivan, este, filho do Sr. Benigno.
Apesar de conhecer o Sr. Benigno, nunca soube de sua história de conversão, até ler o livro “The man in the leather hat” (Grand Rapids, MI, Baker Book House, 1986), com relatos missionários do Rev. Paul Long, que serviu a Missão Presbiteriana dos Estados Unidos (PC-USA), no Congo e no Brasil, de 1953-1980. Long foi um ativo evangelista e plantador de igrejas em todo o Estado de Goiás e Tocantins. Um dos capítulos fala da conversão do Sr. Benigno.
Sua história é encantadora e assustadora.

Paul Long relata que se encontrou com eles em Gurupí, 1963, quando a Belém-Brasília ainda estava sendo construída.  Ele e sua esposa pareciam extremamente agressivos e ameaçadores, e quando os missionários tentaram pregar no mercado da cidade, este casal ria alto e fazia barulho para distrair as pessoas e impedir que outros ouvissem o evangelista Patrício Lili enquanto pregava. Quando Long tentou entender porque agiam assim, Lili afirmou que “estavam sob a direção de espíritos malignos, e somente Deus poderia mudar a atitude de suas vidas, porque estavam escravizados a demônios”.

Benigno era mestiço de negro e índio, tinha raízes em religiões animistas e era temido por ser uma pessoa que dizia “ter contato mediúnicos com seus ancestrais”. No dia de um evento evangelístico preparado para a cidade, ele e sua esposa foram participar, cerca de 60 pessoas estavam neste encontro e assim que o culto começou eles começaram a perturbar e as pessoas decidiram tirá-los do salão, mas o missionário interviu e pediu que ficassem. Durante todo o culto eles olhavam com raiva para os pregadores. Apesar disto, quando as pessoas foram convidadas para a oração, ele decidiu vir à frente, apesar dos protestos de sua esposa, que saiu do lugar dizendo que ele estava maluco em aceitar a oração, e na saída, quando se encontraram, as altercações foram ainda maiores.
Benigno tinha uma cerâmica artesanal perto da cidade, e os missionários resolveram comprar seus tijolos, que eram os melhores da cidade, para construir o templo. Gradualmente, a ira contra o Evangelho transformou-se num profundo desejo para ouvir a Palavra de Deus. Sua vitória sobre a ação maligna não foi algo instantânea, durante seis meses ele lutou contra opressão espiritual e desespero, até se tornar livre pela oração e jejum.

Um fato seria definitivo na sua conversão: 

Sua cerâmica só funcionava durante as estações secas do ano, então, ele precisava ganhar um pouco mais durante estes dias, para manter sua família nos outros meses difíceis. Na estação da chuva, ele viajava vendendo mercadorias nas fazendas, e voltava para casa trazendo algum dinheiro, mas um ladrão da região via seus movimentos e o assaltava, roubando-lhe o dinheiro. Isto aconteceu algumas vezes e ele não conseguia se defender, e isto o deixou furioso. Finalmente, um dos “espíritos malignos” que o guiava lhe orientou a procurar uma conhecida macumbeira chamada “A rainha do Araguaia”, porque ela diria como fazer algo no mundo espiritual para destruir aqueles ladrões.
Benigno contou que andou três dias numa região deserta no meio da mata, até encontrar esta mulher, e quando ele chegou à sua choupana, ela lhe disse sem que antes se conhecessem: “Pode entrar Benigno, eu estava esperando por você”. Ele entrou naquela casa de palha e viu uma mulher assentada numa cadeira de madeira e então perguntou: “como você sabe meu nome?” e ela respondeu: “Eu o vi desde que você deixou sua casa em Gurupi e o tenho acompanhado pela floresta, você veio aqui para que eu jogue uma praga sobre seu inimigo, mas você é um tolo”. E o Benigno então lhe perguntou: “Por que você diz que sou tolo?”.
Então ela lhe mostrou uma parede e lhe mostrou um quadro perguntando o que ele via. Ele afirmou que via um veado correndo dos cachorros, e um caçador esperando o veado para matá-lo. Então ela respondeu: “Deus deu até as criaturas mais tolas o senso de perigo para fugir das ameaças”. Então ela lhe mostrou uma prateleira com poucos livros e perguntou o que ele via nelas. O Benigno respondeu que via livros. Em seguida, a feiticeira afirmou: “estes  livros falam um pouco do mundo invisível, e como encontrar poder para se opor aos seus inimigos. O preço deste mundo dos espíritos, é a escravidão. Quem entra em contato com estas entidades, torna-se escrava”. E então, para sua surpresa, lhe mostrou um livro sobre a mesa. Era uma Bíblia.

Ela afirmou:
“O que você precisa Benigno, não é poder espiritual para matar seu inimigo, mas o poder de Deus em sua vida. Vá, compre uma bíblia, comece a ler e seguir seus princípios. Não seja mais um tolo”. Quando ele voltou para sua casa, começou a lê-la, e estuda-la com pessoas que podiam explicá-la e assim assumiu a fé cristã.
Sr. Benigno se tornou um diácono, vendedor de Bíblia e evangelista. Quando o Rev. Paul Long conhecia alguém que estava preso a correntes espirituais, sempre pedia para que ele as auxiliasse, tornando-se assim um “irmão espiritual mais velho”. Sua esposa também se converteu a Cristo, e juntos oravam e jejuavam pela libertação espiritual destas pessoas que estavam presas pelas correntes do maligno.

Conheci o Sr. Benigno assim, distribuindo bíblias e literaturas durante as estações chuvosas na região, e falando do amor de Cristo na cruz. Morreu firme no Evangelho, servindo a Deus e testemunhando do poder libertador de Cristo. Ele viajava de fazenda em fazenda, conversando com as pessoas, compartilhando o Evangelho. Não mais um tolo, mas agora orientado pelos princípios das Escrituras Sagradas.


Até hoje compartilho da amizade de Lourivan, seu filho. Ele é pedreiro, e responsável por todas as construções de meu pai e meu irmão, na fazenda e nesta cidade no interior do Brasil.