O Salmista afirma: “O que ouvimos e aprendemos, o que nos
contaram nossos pais, não encobriremos aos nossos filhos, contaremos às
vindouras gerações, os louvores do Senhor, e o seu poder, e as maravilhas que
fez”.
É importante nutrir nossa fé com
experiências, embora não possamos fazer teologia a partir da experiência
individual, e sim das verdades reveladas na Bíblia. Quando compartilhamos o que
Deus nos fez, desenvolvemos um coração grato, afinal “gratidão é a memória do
coração” e encorajamos outros à fé pessoal com Jesus. É fácil esquecer as
bençãos recebidas, relatos orais facilmente se perdem na memória. Por esta
razão Deus ordenou aos seus servos no passado: Escreve! “Então disse o Senhor a Moisés: Escreve isto para memorial num livro”
(Ex 17.14). “E disse
Moisés ao povo: Não temais, que Deus veio para
provar-vos... E Moisés escreveu todas as palavras do Senhor”
(Ex 19.24). Os Evangelhos e o livro de Atos dos apóstolos no Novo Testamento,
foram escritos para relatar e preservar os singulares eventos acontecidos entre
nós. É uma memória que foi registrada.
Participei pastoralmente da
impressionante experiência vivida em nossa comunidade, no início da década de
2000.
Um querido casal de nossa igreja,
Presb. Marco Aurélio Cordeiro e Dayse Dell, que sempre cooperou intensamente no
ministério da igreja, estava feliz com os dois filhos já nascidos e com o
terceiro encomendado. Num dia comum, ao dar banho no seu filho Marquinhos, com
apenas 1 ano e dois meses, a mãe percebeu que ele estava com reações estranhas.
Parecia distante e sem senso de orientação.
Eram 18 hs e ela ligou para seu
pediatra, Dr Arnaldo Kalupniek, homem com muita experiência na área médica, que
pediu para continuar observando suas reações e esperar um pouco para ver a
evolução e entrar em contato com uma neuropediatra, mas a única médica da
cidade com tal especialização, estava viajando.
Marco Aurélio também é médico, e
às 22 hs foi observar o filho que estava chorando, e quando o pegou no colo, viu
algo estranho: a criança não fixava os olhos, apenas gritava como se estivesse
cega, chamando a mãe, e com uma profunda agitação psicomotora. O pai ligou para
um neurologista em Goiânia, Dr. Marcelo Hanna, com mestrado na USP, que era seu
amigo pessoal, e quando ele ouviu o relato, pediu que fossem imediatamente para
Goiânia, para o caso de precisarem de um hospital com melhores recursos. Esta
recomendação se mostrou tremendamente sábia.
Às 23.30 hs já em Goiânia, o
quadro do filho se agravara rapidamente. Ele não tinha mais capacidade motora, sua
cabeça simplesmente parecia não se firmar. Quando os médicos viram a criança, o
desânimo ficou estampado em suas faces. Por causa do quadro, o primeiro
diagnóstico foi cerebelito. O médico que tinha um filho da mesma idade e por
ser amigo pessoal do Marco Aurélio, foi atingido por aquela sensação de
desconforto diante do grave quadro que se apresentava. O diagnóstico final
seria encefalite com foco no cerebelo...
Marquinhos não ficou nem dez
minutos no pronto socorro e foi levado imediatamente à UTI. O prognóstico não
era nada bom, ainda mais considerando a rapidez com que o quadro clínico se desenvolveu.
Posteriormente souberam que as chances eram pequenas de sobrevivência, e caso
ele resistisse, as sequelas seriam certas e graves. O diagnóstico inicial
parecia meningite, mas posteriormente ficou claro se tratar de encefalite, com
uma provável etiologia viral.
O diagnóstico clínico foi rápido
mas ainda não sabiam qual era o vírus e receitaram remédio para a herpes,
descobrindo em seguida que não era. Por causa da gravidade de seu quadro, ele
não podia ter convulsão e os médicos temiam muito que isto viesse a acontecer a
qualquer momento.
Pelas prerrogativas de sua
profissão, o pai conseguiu ficar todo tempo ao lado do seu filho na UTI, e a
mãe, que estava grávida do lado de fora, aflita, não conseguia dormir. Ela afirma
que o maior desejo dela naquela hora era que algo sobrenatural acontecesse, que
Deus lhe falasse algo, que um “profeta” ligasse pra dizer que seu filho ficaria
sarado, mas ela encontrava-se diante de um grande e angustiante silêncio de
Deus.
Abriu a Bíblia para encontrar
resposta, e ficou muito feliz ao ler as palavras: “Amo o Senhor, porque ele ouviu a minha voz e as minhas súplicas (...)
pois livraste da morte a minha alma, da queda os meus pés” (Sl 116.1,8),
mas em seguida ficou mais confusa e aflita, pois o mesmo salmo afirmava adiante:
“Preciosa é aos olhos do Senhor, a morte
de seus santos”. O que a Palavra de Deus queria comunicar ao seu coração em
momentos tão difíceis? A mensagem era ambígua. Mas naquela hora ela descobriu
que para a morte ou para a vida, ela teria que se agarrar a Deus, o único lugar
seguro para onde poderia correr.
Ela se lembra como nestas horas
tentamos negociar com Deus. Ela dizia: “Se o senhor quer me ensinar algo, me
ensine, estou pronto para aprender, mas cure o meu filho...” Para seu
desespero, no outro dia, uma “profetisa do desespero”, tentando ajudar fez um
comentário devastador e que a irritou profundamente: “Não se preocupe, porque
se Deus quiser tirar a vida de seu filho, Deus já lhe deu outro que está no útero”.
Como assim? Não havia nenhum sentido o Deus amoroso gerar toda esta dor tirando
um filho para dar outro.
De madrugada, de forma compulsiva,
ligou para casa de algumas pessoas amigas e quando estas atendiam ela pedia para
que saíssem da cama e fossem orar. Seu marido perguntou: “Você não fica
preocupada em incomodar as pessoas a esta hora?” Ela disse que de forma alguma,
pois já que ela não estava conseguindo orar, precisava de outros para orarem em
seu lugar.
Na verdade, a melhor definição de
intercessão que já pude formular é esta: “interceder
é orar por pessoas que não tem condições de orar por si mesmas.
É interessante perceber como cada
pessoa reage e faz leituras distintas nos momentos de aflição. O Dr. Marco
Aurélio, tinha a seguinte percepção: de forma bem racional entendia que Deus
estava no controle e que ele, embora desejasse a cura de seu filho, não tinha o
direito de pedir cura, porque outros pais que eram iguais a ele, haviam perdido
filhos, e ele não era melhor que nenhum deles. Ele tinha estas formulações
lógicas, mas embora reconhecesse que a dor atinge outros, decidiu que não
cessaria de pedir a misericórdia de Deus para a situação. Por isto iria continuar orando e clamando...
No dia seguinte, o quadro clínico
do Marquinhos ainda era bem complicado. Ao amanhecer, sua visão era obnubilada
e ele não conseguia distinguir as pessoas, seus olhos ainda estavam rígidos.
À tarde na UTI, permitiram que a
mãe ficasse ao lado dele, e surpreendentemente ela “achou” que o filho tinha
olhado para ela, mas isto parecia mais um desejo e amor de mãe que uma verdade
clínica e as médicas então disseram que se ele realmente estivesse reagindo,
ele conseguiria pegar a mamadeira.
De tardezinha, às 18 hs, ele
conseguiu olhar para a luz e dizer “luz”, na sua linguagem de criança, e
estendeu os braços para abraçar a mãe. Isto era um sinal surpreendente para a
gravidade do quadro clínico e algo excepcional realmente estava acontecendo. A
manifestação da enfermidade fora tão rápida e aguda, e felizmente sua melhora
estava sendo também algo excepcional. Ele ficou menos de 24 horas, internado na
UTI.
O médico da família, Dr. Marcelo,
conhecia a fundo a gravidade da enfermidade, e abrigava no coração a certeza de
que aquela criança, se sobrevivesse, não viveria sem graves sequelas, e por
isto havia cuidadosamente se antecipado e procurado a melhor fisioterapeuta da
cidade, para que as sequelas fossem minimizadas com o tratamento que deveria
ser providenciado. Entretanto, ao entrar no quarto, ficou estupefato ao ver a
reação da criança, e simplesmente não conseguia acreditar no que via. Diante
disto, rasgou o telefone da pessoa que deveria acompanhá-lo no seu processo de
restauração..
Quando tudo parecia caminhar tão
bem, e as coisas estavam se normalizando de forma tão abençoadora, ainda na
tarde daquele dia, Marquinhos teve uma diarreia assustadora, mas apesar do
susto, os médicos afirmaram que aquela reação era absolutamente normal e que o
corpo da criança estava simplesmente completando o processo da cura. Daí
entenderem que a causa da enfermidade ter sido consequência de um vírus de uma
recente vacina ou um enterovirus (intestinal).
Foram 36 horas, desde o diagnóstico
até a alta, e o retorno à sua casa. Durante este tempo, muitas pessoas da
igreja estavam do lado de fora do hospital, se solidarizando e orando pela vida
do Marquinhos... A mãe se lembra como foi importante ouvir que a igreja estava
orando, já que ela não conseguia orar..
O quadro inicial era claro:
1. Diante da gravidade da doença ele
dificilmente sobreviveria. Apesar do diagnóstico, ele sobreviveu.
2. Caso ele sobrevivesse, teria
graves sequelas e iria precisar de acompanhamento de fisioterapia, talvez pelo
resto de sua vida. Curiosamente, numa casa onde Deus deu quatro abençoados
filhos, ele é o que mais se destaca em esportes e é considerado o melhor
atleta. Aquele que corria o risco de perder as coordenações motoras se tornou o
mais competente na psicomotricidade.
3. Seriam no mínimo 48 horas de UTI.
Em menos de 24 horas ele já havia sido liberado e antes das 36 horas já estava
de volta em casa.
Histórias e relatos como estes,
precisam ser lembrados e contados. Por isto o Salmista Davi afirmou: “O que ouvimos e aprendemos... não
encobriremos a nossos filhos... contaremos às vindouras gerações, os louvores
do Senhor, e o seu poder, e as maravilhas que fez”.