Estranhos e curiosos hóspedes
Como pastor, lidando com pessoas de
várias matizes, condições financeiras e sociais, tive oportunidade de visitar,
aconselhar, acompanhar e hospedar muita gente. Com isto amealhei lindas,
curiosas, assustadoras e estranhas experiências de receber pessoas em casa.
Alguns destes eram anjos em forma de gente. Alguns eram engraçados e bizarros,
outros ameaçadores.
Selecionei, alguns fatos pitorescos e
engraçados, situações tensas, ameaças e até sequestros dentro de casa quando acolhi
um irlandês que só falava inglês e que teve um surto psicótico e transformou
meu sogro, minha sogra, minha esposa e eu, em reféns por quase quatro horas, de
pura tensão e adrenalina
Quero convidar você para entrar neste
espaço secreto da minha casa e conhecer algumas destas histórias. Venha se
hospedar comigo. Não é nenhum Hotel Califórnia dos Eagles, nem uma pensão de
loucos e apaixonados, mas um lugar comum que vivenciou dores, espantos, medos e
alegrias. Venha conhecer meus hospedes. Quer ser um deles?
O Melhor mamão do mundo
1984
Certa vez hospedamos um pastor
que ficou morando conosco por quase 2 meses. Ele era solteiro, estava se
mudando para a cidade, e providenciando aluguel e móveis, e o acolhemos durante este período de transição.
Não era fácil hospedá-lo. Ele era
exigente e crítico, apesar de ganhar o mesmo salário nosso, durante este tempo
que ficou conosco, nunca se prontificou a nos ajudar financeiramente, almoçava
conosco e servíamos praticamente todas as refeições. Ele não era do tipo de
apreciar, mas em tom de brincadeira era um critico ácido, desde o almoço
servido até o tipo de pães e bolachas que servíamos para o lanche. Certa vez
servimos um biscoito, que não era realmente de qualidade muito boa, e ele não
teve dúvidas: “só tem este tipo de bolacha vagabunda?” disse ironizando...
Sara sempre soube dar respostas à
altura, e apesar de sua indelicadeza, como já o conhecíamos antes, as respostas
também eram dadas no mesmo tom.
Um dia ele chegou animado. Viera
de uma visita de uma amiga onde ganhou um mamão, e o trouxe para o café da
manhã. Quando minha esposa foi preparar a mesa, ao partir o mamão, percebeu que
ele estava estragado, impróprio para a alimentação. Como havíamos comprado
frutas, Sara pegou o mamão nosso e o serviu, mas ele não sabia disto.
Assentou-se à mesa, animado.
Afinal, havia trazido algo para compartilhar conosco. Quando começou a comer o
mamão, estava muito eufórico, e à primeira garfada já disse logo: “Este mamão
está delicioso!”. Não era o tipo de elogio comum, e sabíamos que ele pensava
estar comendo a fruta que ele trouxera.
Sara e eu, olhamos com ar de riso
um para o outro, e nunca comentamos que, na verdade, o melhor mamão do mundo,
não fora ele quem trouxera para a mesa...
Made in Argentina
1985
Estudava na Universidade Católica
de Goiás, fazendo o curso de psicologia, quando a professora de
psicodramaticidade resolveu fazer um amigo secreto, pedindo que pensássemos em
alguma coisa presente que tivesse a ver com a pessoa. A ideia era interessante,
mas os desdobramentos poderiam ser complexos como veremos. A dramatização de
sentimentos é algo que deve ser feito de forma muito profissional e com um
acompanhamento muito cuidadoso.
No dia da revelação dos amigos
secretos, cada um trazia um objeto e justificava a doação. Quando chegou a
minha vez, uma aluna me trouxe uma chave, estranha, escrita “Made In
Argentina”, que parecia fazer parte de um código secreto de ritual de magia
negra, e desabou na frente da classe. “Samuel, me desculpe! Este objeto tem
sido a causa de muito sofrimento em sua vida, preciso me livrar dele, mas não
achava justo dar para qualquer pessoa. Por causa de sua espiritualidade,
acredito que você seria capaz de recebê-la, sem que isto lhe traga maior
transtorno. Desculpe”. E me entregou aquela chave com cordão ensebado e antigo,
nas minhas mãos.
Apesar da bizarrice da chave,
confesso que não fiquei muito assustado, lembro-me de ter orado por isto, mas
há uma frase na Bíblia que me chama a atenção: “A maldição sem causa não se
cumpre!” Levei a chave comigo, coloquei-a numa das caixas de coisas velhas, no
meio de barbantes, clips, adaptadores e a deixei por lá. Eventualmente mostrei
para colegas e amigos, mas nunca realmente a valorizei.
Esta chave desapareceu de casa.
Não sei se minha esposa a jogou fora, não sei que fim lhe foi destinada, mas
confesso que realmente fico feliz em saber que esta “estranha hóspede”, não
esteja no meio de meus alfarrábios. Sua cara não era boa e não passava uma
imagem de boa companhia. Neste caso, fico feliz que tenha sido afastada de
casa, de uma forma ou de outra, para sempre.
Le Ham Mikal
1985
Em 1985 fui convidado para
pregar em Salvador, como parte de um programa evangelístico conhecido por
“super especial”, um movimento de jovens de igrejas, criado com a finalidade de
evangelizar. Por terem uma abordagem e estilo bem espontâneo e contemporâneo,
enfrentavam a crítica e o receio das lideranças mais tradicionais da cidade,
apesar de continuarem sendo membros de uma igreja conservadora, que os impedia
de se reunir no templo, mas dispunham o subsolo da igreja, que lotava aos
sábados, e tinha quase o dobro da frequência dos cultos dominicais da igreja.
Muitos jovens se convertiam
com este trabalho. Exploravam muito bem o teatro, tinham uma banda maravilhosa,
e a direção estava na mão de jovens crentes, talentosos e consagrados, e neste
estilo aberto, com teatro, discipulado, e música, tinham a receita ideal para o
trabalho de impacto e evangelização que se propunham a fazer na cidade e na
região.
Estávamos reunidos num
acampamento, e ali conheci um rapaz diferente. Ele não tinha a pele queimada
dos baianos, falava com um ligeiro sotaque e chamava a atenção pela sua
impressionante história e testemunho de fé.
Segundo seu testemunho, ele
era filho de uma mulher iraquiana, casada com um rico empresário Norueguês. De
acordo com Le Ham, seu pai era satanista, e por isto o teria enviado para
Buenos Aires, a fim de estudar numa universidade coordenada por satanistas.
Segundo ele, ficou naquela cidade por um tempo, até que um dia, algo
surpreendente lhe aconteceria. Uma pessoa desconhecida, se aproximou dele no
campus e lhe contou que Deus lhe revelara a situação em que ele vivia, e queria
tirar-lhe de debaixo da obra satânica. Isto o marcou profundamente e
ele não hesitou. Confuso, sem direção, dirigiu-se ao aeroporto, onde encontrou
uma cidade por nome de Salvador, e disse consigo mesmo: “é isto que preciso! De
Salvador!” Comprou sua passagem e voou direto para a Bahia.
Ali perambulou até ser
encontrado na rua por um dos rapazes do super especial, que se aproximou dele e
ouviu sua história. Compadecido o levou para casa, e embora fosse de uma
família humilde, pode lhe dar abrigo, proteção, cuidado e alimento. Passou pelo
discipulado e se tornou conhecido daquele grupo, e estava sempre dando seu
testemunho de conversão, nos encontros evangelísticos e igrejas, falando do que
Deus lhe fizera, deixando chocado todos os que ouviam seu relato.
Jogando bola e ouvindo sua
história, nos aproximamos. Ele era um rapaz charmoso, de boa aparência, claro,
com cabelos espetados, com jeito dos personagens russos dos filmes de ação.
Quando voltei para Goiânia, estava impressionado com tudo o que havia ouvido
sobre ele, e a graça de Deus sobre a história de uma pessoa como esta.
Duas semanas depois, recebi
uma visita inusitada. Era um domingo de manhã, meus sogros estavam se
hospedando em casa conosco, nossa casa ficava num sobrado da igreja, e ele
apareceu ali sem qualquer comunicado anterior, dizendo que viera me visitar e
que precisava desesperadamente conversar comigo. Assentamos no meu escritório e
ele me relatou uma realidade negra de sua história que nada tinha a ver com o
mirabolante relato que até então fazia as pessoas crerem ser verdadeiro.
Na verdade ele era filho de
uma mulher divorciada que vivia na periferia da cidade de são Paulo, e de um
ex-pastor, que havia se distanciado da fé e do ministério e agora se declarava
ateu. Nada do glamour de empresário Norueguês. Ele era da periferia de São
Paulo. Já havia se envolvido com escândalos, documentos falsos,
tráfico de droga. Afastado de casa, chegou a ter cinco identidades com as quais
viajava mundo fora, apesar de ser um rapaz brilhante, poliglota (sabia falar
espanhol, alemão e inglês), vivia entre momentos de muito dinheiro e carência
de tudo. Regra simples: dinheiro que vem fácil, facilmente esvoaça. Sua falsa
narrativa, dera-lhe alguma guarida na Bahia, mas sua forma de viver lhe
cansava. Viver na mentira não é uma boa alternativa para ninguém. Agora,
resolvera contar sua verdadeira história, mas sabia que a partir deste momento
não teria mais como viver em Salvador. Por isto me procurara a fim de dizer
toda a verdade.
Seu problema básico era a
fantasia. Ele facilmente construía um mundo paralelo com histórias forjadas e
dramas criados, e passava a viver dentro dela como um personagem, um avatar.
Para me certificar de que não era outra história inventada, entrei em contato
com sua mãe em São Paulo, que ficou muito feliz em saber notícias do filho, era
uma mulher simples, costureira, crente.
Para ajudá-lo no árduo
processo de viver na verdade, almoçamos juntos naquele dia, e ele contou
novamente sua história à minha esposa e meus sogros. Apesar de ser
constrangedor, imaginei que seria interessante que ele falasse a verdade. Este
é o caminho árduo da ruptura com a fantasia: Verdade e concretude.
Providenciamos uma casa para
ele ficar. Havia um rapaz que estava precisando de um companheiro e ele passou
a morar junto com ele. Providenciamos cesta básica para ele, e passou a
frequentar regularmente a igreja, logo conquistando a simpatia de toda
juventude. Cozinhava bem, se movimentava com facilidade entre as pessoas, e, em
contato com o diretor do SESC que era nosso amigo, conseguimos uma entrevista
num hotel cinco estrelas da cidade, onde foi trabalhar como recepcionista. Sua
capacidade de se comunicar em outros idiomas, certamente, foi definitiva para a
vaga.
Seu nome era Nivaldo Correia,
e durante muito tempo ele ficou conosco. Mas a realidade da vida era um
problema muito sério. Nivaldo perdeu o trabalho seis meses depois por causa de
desonestidade. Voltou à estaca zero, mas seu sonho de grandeza e utopia o
dominava. Ele ainda continuava frequentando a igreja, agora não mais tão
frequentemente, e se distanciou definitivamente quando recebi convite para sair
da cidade e trabalhar em outro lugar.
Um dia, ele aprontou outra.
Aproximou-se de um pastor ambicioso, dizendo que estava em contato com a
embaixada da Nova Zelândia, que queria desenvolver projetos de curso de inglês
para jovens da cidade de Goiânia. A embaixada bancaria todo projeto, mas
precisava de um local para reunião e as pessoas precisavam fazer a inscrição
pagando uma taxa modesta para a matricula. Ele organizou todos os papéis,
produzindo falsas impressões, reuniu uma quantidade interessante de
informações, folders e conseguiu fazer mais de 200 inscrições na cidade. Pegou
todo o dinheiro da matricula, desapareceu, e a única vez que ouvimos falar dele
depois disto, foi num suposto encontro visual que um amigo nosso teria com ele
numa das movimentadas ruas de São Paulo, e ele mesmo não sabia, com certeza, de
que se tratava do Le Ham Mikal.
Desenhando o capeta
1986
Aqueles dias foram de grande
agitação no meu ministério. Sempre havia um fato novo. Éramos jovens e muitos
rapazes e moças eram discipulados por mim e pela minha esposa, muitos eram
recém convertidos e alguns traziam marcas profundas da famílias quebradas,
lares desfeitos, drogas, e, na medida do possível, com os filhos pequenos em
casa, estávamos sempre acolhendo um e outro, cuidando, evangelizando, orando.
Era 1986, e naqueles dias
tínhamos uma programação especial que atrai muitas pessoas do Brasil. O
Louvorzão. Bandas evangélicas aclamadas
vinham tocar neste evento, era fácil acolher 1500 jovens num evento deste, a
equipe trabalhava firme, e éramos inebriados pelos testemunhos de conversão e
salvação que aconteciam. A MPC, se consolidava fazendo discipulado e dando os
fundamentos da fé aos novos convertidos. Era um período de grande ebulição.
Num destes dias, recebi um
telefonema, não era ainda muito tarde, mas um rapaz queria que eu conversasse
com sua amiga, estudante de arquitetura, que precisava de orientação. Pedi que
ele a trouxesse em casa, devia ser umas 21 hs, e logo depois eles chegavam.
Ela entrou muito agitada. Era uma
mulher bonita mas visivelmente perturbada. Perguntei o que estava acontecendo,
e ela, habilmente me pediu papel e começou a desenhar. Era surpreendente sua
capacidade de esboçar imagens. Com poucos traços, um lápis na mão, e uma folha
de papel, ela era capaz de desenhar uma figura assustadora do diabo. Pegava
outra folha e compulsivamente fazia outro desenho igualmente estranho.
Perguntei sobre o histórico dela,
naquela época estava fazendo psicologia e valorizava os detalhes da anamnese.
Ela tinha passagem por hospitais psiquiátricos, perguntei sobre sua família,
internações, e entre as informações quebradas ia compondo todo o quadro de
distúrbios que ela possuía. Ela apresentava certa grau de esquizofrenia, e depois de tentar
estabelecer algum contato mais efetivo, desisti, perguntei se poderíamos orar,
ela mesmo agitada disse que sim, oramos e a encaminhamos para tratamento.
Quando ela saiu, a primeira
providencia minha foi retirar aqueles desenhos assustadores de cima da minha
mesa. Tenho aprendido que existem muita coisa melhor que colecionar imagens
horripilantes e muito menos guardá-las. É melhor guardar imagem de coisas
bonitas.
O ex-presidiário manipulador
1986
Os jovens são muito românticos, e
parecem não perceber os riscos a que se expõem, nem de seus filhos e esposa.
Apesar de hoje ser mais crítico e cínico em muitas coisas, acredito que boa
parte das boas experiências que tive na vida foram resultantes desta vontade de
cooperar, ajudar, contribuir, abençoar. Deus, na sua infinita misericórdia, vai
colocando seus anjos e protegendo a nossa casa.
Nos idos de 1985, alguém bateu a
porta da campainha de minha casa. Morava em Vila Morais, Goiânia, e desci para
ver quem era. Como morava ao lado da igreja, as pessoas sabiam que ali era a
casa do pastor e estávamos sempre dando uma esmola, um prato de comida, ajuda
financeira às pessoas. Muitas vezes era incomodo, mas na maioria das vezes
fazíamos isto de bom grado, pensando em Deus mesmo e no testemunho nosso como
cristãos.
Neste dias era um rapaz falante
pedindo ajuda. Atarracado, com seus 1.68 de altura, rosto marcado pela vida,
era de uma persuasão assustadora. Era um ex-presidiário que havia se
especializado em manipular as pessoas. Logo me acusou, acusou a igreja, falou
mal dos pastores que assaltavam as indefesas velhinhas em nome de Deus, que a
igreja era uma comunidade preconceituosa cheia de hipócritas, e ele possuía
grande facilidade em manipular sentimentos, ir para o ataque antes que você
pudesse se proteger, e sua técnica à la “Myke Tyson”, sempre surtia grande
efeito.
Apesar de sua hostilidade
gratuita, convidei-o para casa, perguntei se ele não gostaria de tomar um
banho, arrumei uma roupa limpa para ele, e lhe dei um prato de comida. Sua
agressividade verbal e acusação eram incessantes, apesar de estarmos assentados
à mesa de minha casa, e ele comendo um prato de comida que minha esposa
preparara, usando a comida que estava na geladeira.
Depois de um tempo, sempre na
defensiva, sai para o ataque.
Perguntei-lhe se ele sabia porque
eu o estava recebendo em minha casa. Não me lembro bem da resposta dele.
Continuei: “Na verdade, só estou recebendo você por causa de Jesus. Desde que
você chegou aqui, abri minha casa, lhe dei comida, você entrou para o banheiro
da casa, tenho dois filhos pequenos aqui, minha esposa, e por causa de Jesus
estou recebendo você”. Ele não acuou, continuou acusando, e então, decidi que
deveria retirar aquele cara da minha casa. Eu comecei a ficar com medo.
Lentamente, Sara e eu conseguimos
convencê-lo a ir embora, ele saiu de casa sem nos causar maiores problemas que
as acusações, e depois ficamos sabendo que ele era conhecido nos arraiais
evangélicos, e que sempre usava a mesma tática e técnica com os pastores, e
desta forma, através da culpa e acusação, acabava sempre tirando muito proveito
de todos.
Sou grato mais uma vez quando me
lembro de um evento como este. Como a ingenuidade e simplicidade de nosso
coração pode nos levar a situações tão complicadas como esta. Só mesmo a graça
de Deus para nos acolher e guardar de perigos tão iminentes.
Podem nos receber por uma semana?
1992
Um amigo de infância de minha
esposa ligou do interior do São Paulo, quando morávamos no Rio de Janeiro,
porque estavam precisando passar uma semana em nossa casa para resolver alguns
problemas ligados a um concurso público. Apesar de não conhecê-lo, nem à sua
esposa, aprendi que, o grande ônus da hospedagem era sempre de minha esposa,
afinal, é sempre ela que terá que assumir as visitas, ja que meu trabalho exige
de mim que eu saia de casa.
Sara não tinha amizade com eles,
mas cresceram na mesma cidade, frequentando a mesma igreja, a família se
conhecia, e então decidimos ajudá-los e abrimos nossa casa.
Não sei se você já recebeu
pessoas em sua casa que não tem absolutamente nada a ver contigo? Pessoas
desconhecidas. Eles precisavam de uma semana, não é um tempo pequeno. Tivemos
que remanejar as crianças de seus quartos, arrumar um colchão de casal para
recebe-los, mas vamos em frente.
O problema, porém, se agravou.
Eles eram muito antipáticos e sem graça. Uma visita muda a rotina de casa, e
receber alguém que não tem nada a ver contigo, é uma das coisas mais bizarras e
chatas que pode acontecer. Eles saiam de casa, as vezes comiam fora, as vezes
tomavam as refeições conosco, mas não eram do tipo que tivéssemos muita
simpatia ou conversas em comum, e os imbróglios que eles diziam ter de
resolver, não sabíamos exatamente quais eram, e assim se passou uma semana, e nós
já estávamos no limite. Mas uma semana são sete dias, e já estávamos fazendo as
contas de quando iriam embora.
A semana passou, e não disseram
nada...
Mais dois dias, e nada... não
havia relatório, explicação, não nos diziam o que estavam fazendo no Rio, as
coisas eram confusas, e finalmente, assumi a direção da casa – coisas estas
raras de acontecer – e resolvi conversar com os dois. Falei abertamente que
eles haviam pedido para resolver algumas pendências no Rio por uma semana, que
minha esposa trabalhava fora, que eu também trabalhava, e que não poderíamos
mais tê-los em casa.
Eles se desculparam, se
justificaram, ficaram visivelmente chateados com a objetividade da conversa, e
no dia seguinte foram embora. Nunca mais ligaram, não mandaram um cartão para
agradecer a hospitalidade, não sei os seus nomes, o que fazem, o que
resolveram, e estamos absolutamente certos de que eles nos detestam. Se é que
ainda se lembram de nós, já que este fato se deu no ano de 1990.
Existe um antigo ditado que diz:
“Estais com raiva de mim? Porventura te fiz algum bem?
1993
Tem bicho no quarto
Recebi por alguns dias a visita de um
pastor e amigo que morava nos EUA. Na ocasião morávamos no Rio de Janeiro e
pastoreávamos a igreja da Gávea, Zona Sul. Numa noite, Sara preparou um jantar
e além deste amigo estava em casa um rapaz da igreja que também morava na
cidade, e que sempre nos visitava.
Na medida em que a hora avançava,
ficamos preocupados em deixá-lo voltar para a casa, de ônibus, já que ele
morava em Riachuelo, Zona Norte, por isto o convidamos a dormir em casa. Meu
filho já havia cedido o quarto para o pastor, que agora seria acompanhado por
outro hóspede, na época ele tinha apenas 4 anos, e dormiria no quarto de sua
irmã. Sara, como boa anfitriã, providenciou o espaço para acolher os visitantes
naquela noite.
Infelizmente não previmos os efeitos
colaterais que adviriam de colocá-los dormindo juntos. Ambos roncavam
exageradamente, e o resultado foi catastrófico. Apesar deles conseguirem
dormir, meu filho no quarto ao lado acordou de madrugada e chorando veio para
nosso quarto dizendo: “Mãe, tem um monstro no meu quarto!”.
Quando a Sara foi com ele para
reconduzi-lo à sua cama, ao entrar no corredor, ela também se assustou com o
volume dos barítonos. Resignada tentou explicar o que era e trouxe o Matheus
para dormir conosco. De fato, os sons eram um tanto quanto – assustadores,
nenhuma explicação materna conseguiria resolver a grave crise dos sons que
adviam daquele quarto.
1995
Decidimos morar contigo...
No primeiro ano do nosso ministério
nos EUA, recebemos uma ligação inusitada e curiosa. Uma pessoa que conhecemos
no Rio e que trabalhara conosco se casara recentemente e nos ligou entusiasmada
para dar a informação de que estava de mudança nos EUA, com seu marido, e que
iria morar conosco por um tempo, e nos apoiar no ministério, porque Deus tinha
dito que este era o caminho que deveriam seguir.
Naqueles dias morávamos num
apartamento de dois quartos no Sul de New Jersey, era Janeiro de 2004 e estava
nevando muito. Foi o nosso primeiro inverno, e bem rigoroso.
O entusiasmo da irmã não nos
entusiasmou, e apesar de “Deus” lhe ter dado aquela mensagem, houve um problema
de comunicação entre o céu e nós, e ele não nos disse nada. Veementemente
negamos o gesto tão espontâneo e natural do casal, rejeitamos o projeto dizendo
que não teríamos condições de recebê-los em casa, o espaço era insuficiente, e
nem sequer conhecíamos o seu esposo. A resposta de minha esposa foi um sonoro
não.
A jovem ainda tentou se explicar e
nos convencer, dizendo que seria apenas por um tempo, e revelou sua maior
preocupação: Já havia comprado sua passagem para a cidade onde morávamos. Isto,
contudo, não amoleceu o coração, e deixamos claro que seria impossível e que
ela deveria mudar sua passagem para uma região mais quente, talvez na Flórida
onde não havia neve. A situação foi tremendamente constrangedora, mas
certamente foi a melhor decisão que ja fizemos quanto a este assunto.
Nunca mais ouvimos falar dela, nem de
seu esposo, mas certamente esta foi, de longe, a melhor visita... que não
tivemos.
Meu pai, homem do interior, com sua
indiscrição mineira colocou um quadro na sala de casa na casa simples em que
morávamos em Gurupí-TO: “As visitas sempre dão prazer, umas quando chegam;
outras quando se vão”. Certamente a sala não é o melhor lugar para se
colocar um quadro deste, mas o princípio é certamente valioso.
1995
Onde vou dormir?
Em 1994 mudamos para New Jersey- EUA. inicialmente moramos em Elizabeth e depois para S. River, onde plantamos uma igreja étnica, de língua portuguesa. Estas cidades eram próximas a New York, Elizabeth era apenas uma travessia do Hudson River, e em South River havia um ônibus que nos deixava no centro de Manhattan. numa viagem de apenas 1.30hs. Talvez por isto, tivemos o privilégio de hospedar 72 pessoas em apenas um ano. Sempre tínhamos pessoas em casa, apesar do pequeno apartamento. Visitas são sempre um caixinha de surpresa, você nunca sabe o que tem dentro, e tivemos algumas situações deliciosas de gente querida, algumas situações mais complexas, e outras cômicas. Como esta em que, num dia saiu uma família e já havia outras pessoas "esperando a hospedagem".
Certa vez recebemos a família de minha irmã. Foi um tempo muito bom, porque me dou muito bem comeu cunhado e estávamos com muita saudade da família. Os primos tinha mais ou menos a mesma idade, e tudo era muito bom, simples e tranquilo. No dia do retorno deles, a prima da Sara chegou em casa para passar uns dias conosco. Sairia uns e outros chegavam.
O vôo da minha irmã e família sairia do aeroporto JFK, que ficava a 1.45 hs de trânsito de South River. Eu pessoalmente os levava, e meu carro ia tranquilo, porque já estava assim "no automático" para aquele aeroporto. Deixei-os em frente ao embarque da TAM, e me despedi, porque o estacionamento não apenas era caro, como era complexo, e assim voltei para casa.
Ao chegar, minha esposa já estava me esperando para dizer que acontecera um problema. Eles acreditavam que o vôo seria as 8.00, e na verdade era as 18 hs, e na mesma toada retornei para buscá-los.
Agora não sabíamos ainda como reorganizar a logística da casa, o que é fácil fazer quando há intimidade e alegria, mas a prima da Sara, com seus grandes olhos azuis e muito espalhafatosa, virou para a Sara e disse: "E agora, onde vou dormir?"
Posteriormente em casa, nos assentamos para comer e tudo se transformou em piada. Nada que um colchão na sala, bom humor e umas boas risadas não pudessem resolver. Tudo era simples, mas tudo muito bom. Não é assim a vida?
1997
O homem que veio do frio
Este era o nosso segundo ano de pastorado em Boston, e como era uma região muito fria, estávamos ansiosos pela chegada da primavera. O mês de março estava chegando ao fim, e abril sempre trazia um certo refrigério para todos, porque, apesar de ser ainda muito frio, era o tempo da neve começar a derreter e as folhas das árvores a brotarem.
Mas as notícias do canal do tempo não eram nem um pouco alvissareiras. Uma nevasca de grandes proporções estava chegando à cidade, e as escolas já haviam cancelado suas aulas por três dias seguidos assim como os órgãos públicos. A recomendação era que ninguém saísse de casa, por causa do volume de neve que estava se aproximando.
E de fato a neve começou a cair logo de manhã, um espetáculo maravilhoso para se assistir de dentro de casa, tomando chocolate quente. Uma pesada e lindíssima neve estava caindo, a rua estava silenciosa, poucos carros, pois as autoridades haviam pedido que as pessoas evitassem sair. Sara e as crianças estavam felizes porque um feriado assim é sempre uma boa notícia e nada melhor que um pouco de folga.
O telefone tocou: “Samuel, aqui é o seu amigo ....” Levei um tempo para identificar a pessoa, porque na verdade nosso tempo de convívio fora muito pequeno na cidade de Gurupi-TO, e apenas tivera um tempo superficial com aquela pessoa que agora estava no aeroporto de Boston, querendo que eu o hospedasse e ainda o buscasse no aeroporto, sem aviso prévio, sem consulta, sem qualquer comunicado anterior. Estava só nos EUA, tinha chegado com mala e cuia, para ficar, e estava pedindo ajuda. Ele trouxera o telefone de uma pessoa que era o seu contato, mas por alguma razão ele se desencontrara dela, e felizmente trouxera meu telefone.
Eu disse que não tinha como buscá-lo por causa da nevasca , e nem sabia como aquele estranho personagem havia conseguido chegar de avião a Boston naquela manhã, certamente ainda era o início da neve, e percebi um visível constrangimento e estranheza nele quando disse que não seria possível buscá-lo, mas nada realmente poderia ser feito. Eu teria poucas chances de sequer chegar ao aeroporto. Ele me perguntou sobre o que poderia ser feito eu disse que deveria ir para um hotel (bem caro no aeroporto), ou tentasse pegar um táxi (o que eu duvidava muito que ele conseguiria), dei meu endereço certo de que ele não aparecia em casa nos próximos dois dias, mas 1 hora e meia depois, um taxista marroquino maluco estava deixando-o com uma mala imensa numa neve que já estava numa altura que tiveram dificuldade em abrir a porta do carro em frente à minha casa.
Chegou, hospedou-se, não sem certo constrangimento e questionamento de minha esposa, e logo em seguida acabou a energia. Ficamos por mais de 7 horas em casa, sem aquecimento, e sem energia, você não tem fogão (que é elétrico), micro ondas ou qualquer outra forma de aquecimento. Felizmente a casa tinha uma lareira e madeira para nos aquecer. Ficamos ali comendo o que era possível, enrolados na coberta, deitados (com um estranho) assando marshmellows adorados pelas crianças.
Ele era uma pessoa boa, simples, do interior, que viera para arriscar a vida nos EUA, tinha conseguido o visto e veio tentar a sorte na terra do tio Sam. Sua primeira tarefa, não remunerada, foi me ajudar a remover toda a neve que ficara em frente à garagem. Nosso carro ficou enterrado num monte de neve, no fundo do quintal, e tínhamos que tirá-lo de lá e limpar a passagem da garagem, além da calçada em frente à casa, e a entrada para que o carteiro pudesse chegar à porta e entregar a correspondência. Estas coisas são legais e precisam ser feitas. Se a neve for removida rapidamente é como mexer um sorvete bem macio, e é fácil fazer o serviço, mas se congelar (o congelamento começa debaixo para cima), vira uma crosta de gelo, escorregadia e perigosa. Por isto, além de remover a neve é necessário jogar sal para que o gelo não se forme.
A difícil tarefa foi encontrar lugar para colocar a neve removida. Era dia 01 de abril (dia da mentira ou april’s fool), e foi a maior nevasca que tivemos durante o tempo que moramos nos EUA. Não havia lugar para jogar a neve que era removida, pois os montes chegavam a quase dois metros de altura, mas o trabalho foi realizado, e no terceiro dia a neve começou a derreter, porque a temperatura já começou a andar ali pela casa dos 10 graus, uma delicia se considerarmos que estávamos saindo do inverno no qual a temperatura, quase sempre anda em torno de zero grau.
Este rapaz, posteriormente trouxe sua família, arrumou trabalho, frequentou nossa comunidade por um tempo, mas buscando aluguel mais barato, se mudou para Leominster, que ficava a quase 50 kms de distância. Eventualmente nos encontrávamos, e pelas noticias que soube, sua esposa o abandonou, e ele de forma muito madura decidiu assumir a criação dos dois filhos adolescentes. Ele era órfão e isto certamente contribuiu para que ele se apegasse ainda mais a seus filhos e assumisse de forma tão digna a sua tarefa de pai.
Criminal minds
1998
Pastoreando nos EUA lidamos com a
situação dolorida de um rapaz cuja esposa encontrava-se no Brasil, e que só
depois de muitas vezes ter o seu visto negado, conseguiu finalmente chegar
àquele país. Ela era uma mulher talentosa, regente de coral, e a igreja a
aguardava ansiosamente, pois estávamos orando pela vida daquele irmão desejoso
de reencontrar sua esposa, e por uma pessoa que pudesse nos ajudar na música da
igreja.
Ao chegar encontrou todo apoio da
comunidade, mas tão logo passou a lua de mel, os lados sombrios da alma daquela
mulher começaram a se tornar evidentes. Sua capacidade de dissimulação era
estranha e profunda, algumas atitudes dela pareciam sair de dentro do criminal
minds, um programa de televisão que descreve pessoas com atitudes
criminosas e que se especializam em crueldade e atitudes destrutivas, ou, no
linguajar de Scott Peck “pessoas da mentira”.
Seu marido descobriu que ela estava
num affair com um tunisiano islâmico. Fui convidado a
ajudá-los neste processo de suspeita e desconfiança. Ela negou radicalmente
todas as acusações, e ainda conseguiu massacrar o equilíbrio emocional do parceiro,
afirmando que ele estava enlouquecendo, que a sua paranoia precisava de apoio
psiquiátrico, e ela era tão convincente nos argumentos que eu a apoiei, e creio
que até mesmo seu marido acreditou que ele era o problema pois decidiu
continuar seu casamento.
No dia seguinte, porém, soubemos que
tão logo saímos dali, o seu amante veio para se encontrar com ela.
Posteriormente ela admitiu que isto era verdade e deu a entender que riu demais
do seu poder de convencimento e de como havia conseguido ser tão teatral e
inverter tanto o cenário. Apesar das evidências, seu marido continuava com ela,
num relacionamento frio e distante.
Um dia, porém, a casa caiu. O amante
entrou com uma ação na justiça americana para registrar o filho do casal no seu
nome, alegando ser o pai biológico. O filho era o xodó daquele homem, que não
fazia a mínima ideia de que aquele filho não era seu, e agora se via
pressionado judicialmente a levar seu pequeno filho, de três anos para o exame
de DNA, que de fato, apontou o amante como pai. Agora, aquele homem queria
assumir a paternidade e ter o direito de levar seu filho para a mesquita a fim
de receber instrução islâmica, e estava pensando em leva-lo para seu país de
origem a fim de ser criado na “verdadeira religião” que ele seguia.
Nova e profunda crise, desta vez
irreversível.
Preocupados com sua situação
emocional não deixamos que ele ficasse em sua casa, mas o encorajamos a passar
a noite em casa. Ele estava destruído, suas resistências estavam no limite, e
temíamos que ele pudesse por fim à sua própria vida. De madrugada, minha esposa
acordou assustada e angustiada. Algo não estava certo, uma presença espiritual
assustadora envolvia a casa, e estávamos sentindo tal presença de forma direta.
Confiantes decidimos orar. Não havia
outra opção. Precisávamos de proteção divina, de cobertura espiritual, e
quebrantados nos movemos em direção ao sangue do Cordeiro e do poder que emana
da cruz de Cristo. Aos poucos, a situação de tensão se transformou
em paz, o medo foi substituído por serenidade, e podíamos descansar no cuidado
do bom pastor.
Morávamos num sobrado e decidi descer
para ver se estava tudo OK. Ele dormia tranquilamente no colchão que havíamos
colocado na sala de estar onde ele estava descansando. Certamente ele nunca se
tocou do potencial risco de sua alma e como espiritualmente ele estava debaixo
de tanta pressão. Tivemos o privilégio de cuidar dele, e protegê-lo do
adversário de sua alma.
Acompanhamos sua vida durante algum
tempo, e depois nos distanciamos e nunca mais ouvi falar dele. Deve ainda
perambular pelas ruas americanas. Provavelmente se casou com outra pessoa.
Igualmente não tivemos notícia nem de sua ex-esposa e filho. Que Deus tenha
misericórdia deles.
Refém na própria casa
2009
Recebi um telefonema de um amigo
que estava na Polícia Federal em Anápolis, tentando resolver a situação de um
jovem irlandês que só falava inglês e apresentava alguns sintomas de confusão
mental. Ele estava com seu passaporte e a policia tentando ajudá-lo, mas a
barreira da língua os impedia de serem mais efetivos, e assim fui convidado
para fazer a tradução e me prontifiquei em ajudar.
Era um rapaz de bela aparência,
cerca de 23 anos, com transtornos psiquiátricos aparentemente leves, devia ser
de família rica, e quando vimos sua nacionalidade, entramos em contato com a
embaixada da Irlanda em Brasília para tentar resolver sua situação. Resolvi
levá-lo para casa, até que uma solução definitiva pudesse ser dada ao caso.
Fomos almoçar num restaurante e lá ele empacou, com sua obnubilação mental
falou que não comeria aquela comida porque estava envenenada, e se recusou a se
alimentar.
Voltamos para casa, e sugerimos
que ele dormisse um pouco. Ele entrou para o quarto, e não demorou muito para
que entrasse num surto psiquiátrico assustador. Ouvimos seus gritos no quarto,
e quando tentamos ajudar, ele em tom ameaçador, começou a criar fantasias, e
nos colocou assentados ao redor da mesa – meu sogro, sogra, Sara e eu – dizendo
que só quando recebesse novas informações poderia nos liberar.
Como já havíamos entrado em
contato com a embaixada, conseguimos contatar também sua família na Irlanda,
que nos ligou falando que ele precisava tomar o remédio controlado, mas ele se
recusava a tomar. Colocamos sua irmã na linha telefônica, que também não o
convencia, e a embaixada insistia em que o colocássemos num táxi para Brasília
e que eles pagariam quando chegassem ali com o rapaz, mas como fazer isto se
ele estava completamente descompensado?
A família nos disse que ele
morria de medo da polícia, e que se aparecesse alguma, seu quadro agravaria.
Ficamos assentados, impassíveis, tentando ver como poderíamos administrar esta
situação de absoluto desconforto, já que estávamos nas mãos de uma pessoa que
não sabíamos o grau de agressividade e desequilíbrio. Ao redor da mesa, ele ia
dando as coordenadas. De repente, meu sogro era Abraão, minha sogra era Sara,
minha mulher Maria, e ele se casaria com minha filha para ter um messias com
ela. Ele disse que só poderia nos libertar, depois das 3 PM.
Sorrateiramente, adiantei o
relógio, para ver se aquela situação de agonia e espera passiva se tornava mais
ágil, tudo em vão. Ele não se convencia, e as horas iam se passando. Sua maior
agressividade era naturalmente contra mim, porque eu era aquele que recebia o
telefonema da embaixada e da Irlanda, tentando negociar a dramática situação
que estávamos vivendo. Meu sogro e sogra ficaram absolutamente silenciosos,
tentando apenas orar.
De repente uma campainha tocou em
casa. Aquele rapaz que havia pedido minha ajuda veio em casa para tentar saber
como estavam as coisas, o “sequestrador” não queria que atendêssemos, mas com
algum jeito e oposição, consegui abrir, e eles entraram. Quando começaram a vir
para a sala, o rapaz gritou: “Espião, fora!”, e eles saíram correndo, e
voltamos à estaca zero, mas ainda consegui informar que precisávamos de ajuda,
que a policia, precisava ser acionada.
Dai a pouco policia e curiosos
começaram a se aglutinar em torno da casa. Lá dentro, tentávamos administrar a
situação sem muito sucesso. Já tentou conversar com gente maluca? A policia se
dispôs a entrar na marra e prendê-lo, minha esposa com pena dele e preocupada
com os desdobramentos, pediu um pouco mais de paciência para tentar convencê-lo
de que ele precisava ir. Enquanto ela conversava com os policiais na porta, ele
entrou para a cozinha, e ai fiquei mais assustado, pois havia muitas facas disponíveis por ali e eu não sabia
se ele poderia querer lançar mão de alguma delas. Quando ele voltou, disse que
sua roupa estava contaminada, foi lá para fora e quando vi ele se encontrava
completamente nu, consegui falar com ele e ele vestiu novamente a roupa.
A embaixada insistia conosco para
mandar o rapaz para Brasília, para que a policia não entrasse no negócio. Eu
não sabia o que fazer, ele não queria que eu falasse com ninguém ao telefone, e
lá fora era visível a situação de tensão, Sara indo e vindo para mediar os
eventos. A policia impaciente, queria entrar e resolver logo na base da força.
Ele era franzino e não era páreo para os truculentos policiais que estavam
prontos a intervir.
Finalmente Sara o convenceu a ir
embora. Antes de sair, ele pediu para que ela colocasse a mão na sua cabeça e
orasse. Ela orou, quando ele saiu e viu a policia, voltou e disse que não iria
mais. Finalmente uma pessoa se dispôs a colocá-lo no seu carro para levar ao
hospital psiquiátrico. Ele seguiu direto para lá, acompanhado dos policiais e
soubemos que ao chegar lá ele entrou numa luta corporal, a policia o amarrou e
ele foi internado. Não sabemos como a embaixada irlandesa interviu
posteriormente porque não acompanhamos o caso de perto.
A multidão foi se dispersando,
agradecemos a intervenção da policia, entramos para dentro de casa e ficamos
assentados, os quatro, absolutamente tensos, sem falar quase nada durante um
bom tempo, tentando assimilar os fatos e esperando que o desconforto pudesse
voltar a normalidade, tentando relaxar, para tomar um banho. Os músculos
estavam tensos, emocionalmente estávamos no limite.
Estou condenado à morte...
2011.
Estava no meu escritório quando
alguém pediu para conversar comigo. Pedi para entrar.
Poucas vezes na vida tive tanto
medo.
Não sei se mentira ou verdade,
mas aquele homem me convenceu de que o que ele estava falando era verdadeiro.
Ele era assassino de aluguel,
pistoleiro perigoso. Já fora presidiário e estava ligado a um grupo de
extermínio prestando serviço a pessoas poderosas na região de Goiás. Ele
demonstrava certo horror estampado nos olhos. Ele estava condenado à morte,
pacto de silencio, queima de arquivo. Sabia demais, envolvera-se em densas
trevas e agora só tinha uma obsessão, queria fugir da cidade o mais rápido
possível, pensava em voltar para sua região no nordeste, onde poderia encontrar
abrigar e se livrar da condenação iminente que pairava sobre sua vida. Ele
desvalorizara a vida, e sua vida agora também nada valia.
Tentei falar um pouco do seu
coração, mas ele estava agitado demais. Disse que entrara na igreja porque
tinha a sensação de que estava sendo monitorado, e temia sair, com medo de ser
assassinado. Seus próprios colegas de “oficio” eram agora seus algozes, ele era
desnecessário. Falou de detalhes e assassinatos nos quais estivera envolvido, e
num recente caso em Anápolis (que não chequei ser verdadeiro), da morte de dois
rapazes envolvidos em trafico de droga.
Pediu dinheiro...
Não tinha muito, cerca de 80
reais. Dei tudo...
Orei por ele, desci com ele até à
porta, ele assustado e desconfiado, olhou para um lado e para o outro, e saiu.
Disse que iria para a rodoviária tentar comprar passagem para o lugar mais
distante que o dinheiro recebido fosse capaz.
Não sei se ele me enganou. Não é
muito difícil. Mas neste caso tive a sensação de que estava lidando com alguém
cuja alma se aprofundou tanto nas trevas que não sabia mais como voltar. Nem
mesmo na cadeia estaria seguro, continuar no crime também não resolveria, seus
próprios companheiros queriam mata-lo. A Bíblia afirma que “o homem que muitas
vezes repreendido endurece o seu coração, cairá de repente sem que haja cura”.
David Ksiury
2015
A primeira vez que ouvi falar do
David foi através dos meus filhos que estavam simplesmente impressionados com
sua vida, e como Deus de forma tão prodigiosa havia intervido na vida deste
rapaz. Minha filha chegou a afirmar que ele deveria ser “o nome apóstolo Paulo
do Século XXI”. Todos os jovens que se aproximavam dele ficavam chocados com o
relato. Ele realmente conseguia conciliar um rosto africano, de uma cultura
oprimida, de um país miserável. Ele era de Uganda, e tinha chegado ao Brasil
buscando asilo, para todos efeitos, era alguém perseguido religiosamente por sua fé.
O centro de apoio ao refugiado,
que tinha ligações com a Igreja Católica e Evangélica, recebeu também um
reforço inesperado para abrigar famílias e pessoas em situações de risco em minha cidade. A
Universidade Evangélica também entrou de cabeça neste projeto, desenvolvendo
programas para integrar pessoas à cultura, e língua e colocá-los em contato
com a faculdade, na qual teriam maiores possibilidades de integração social e
humana. De fato, trabalhar com tais segmentos e ouvir suas histórias sempre foi algo muito atraente.
Alguns dias depois, meu filho
chega em casa e pergunta se não poderíamos acolher aquele rapaz.
Vivíamos numa casa grande, os filhos já estavam casados, e não parecia grande
sacrifício receber alguém assim para apoiar e sustentar. Apesar de ser um jovem
e comer muito, Deus sempre havíamos nos abençoado tanto que fazer algo assim
nos parecia simplesmente natural. Certamente ter alguém dentro de casa
desestabiliza toda a dinâmica familiar, exige mais cuidado, atenção, mas Sara
veio pessoalmente conversar comigo e achava que poderíamos acolhê-lo, apesar de
minha resistência inicial, que não era por um motivo exatamente muito espiritual – tratava-se de
comodismo mesmo, perguntei-lhe se ela se sentia bem com aquilo, e diante de sua
confirmação, fomos pessoalmente buscar suas roupas e o trouxemos para dentro de
casa. Morar conosco, ser filho.
Ele era um rapaz tranquilo, saia
para a faculdade duas vezes por semana para ter aulas de inglês, e excetuando a
preguiça característica dele, já que não tinha muita iniciativa pessoal,
atribuímos isto à idade, ou quem sabe, cultura. Era uma questão de tempo e as
coisas se encaixariam...
Sua história oficial era a seguinte:
Ele era filho de uma família de classe média da Uganda, seu pai era líder de
mesquita, e sua mãe uma juíza. Ele fazia faculdade de administração e
jogava de goleiro num time da cidade, querendo se tornar profissional. Sua vida
era confortável, morava numa boa casa, tinha dinheiro para sair, carro próprio,
e desprezava os cristãos, até o dia em que ele haveria de se encontrar com
Jesus.
Ele foi assistir um programa
evangelístico na sua cidade, junto com os amigos, mas estavam apenas interessados em ver as
garotas e zombar daquilo tudo, foi quando, tudo mudou. Ele foi alcançado por
Deus.
Ao chegar em casa, esperou a
melhor hora para conversar com sua mãe, sabia que as coisas não seriam fáceis,
queria falar com ela sobre os fatos e esperava que ela pudesse entender o que
havia acontecido, ela teria ouvido atentamente, foi conversar com o pai, que
sem fazer qualquer comentários apenas lhe teria dito. “Devolve a chave do
carro, pode sair de casa, você não é mais nosso filho”. Ele, então, saiu de
casa perambulando, não tinha onde ir, e passou a noite nas ruas da cidade,
dormindo no meio das caixas de papelão no fundo de um supermercado.
Ai teria começado toda uma sessão
cinematográfica. Um amigo sabendo da história, resolveu levá-lo para sua casa,
mas seu pai começou uma caçada implacável para
matá-lo. Uma noite, quando estava dormindo, ouviu barulhos de portas
arrebentando e bombas estourando, teve tempo ainda de sair correndo pelo fundo
da casa sabendo que era seu pai quem queria matá-lo. Para não perder sua vida,
saiu pela fronteira do seu país e foi procurar refugio entre os cristãos em Quênia.
O bispo ouviu seu relato e o protegeu, mas não demorou muito para que os
braços da influência de seu pai chegassem ali também, alegando que ele estava
com problemas mentais, a policia passou a procurá-lo também fora de seu país.
Ele soube que o Brasil estava dando asilo político, e embora não falasse
português, achou que seria bom sair da África, para salvar sua pele, e foi
assim que entrou em contato com grupos de apoio a perseguidos políticos e
religiosos, e veio parar no Brasil.
Seu relato cinematográfico
envolveu muitas ONGs, até chegar em Anápolis, e se tornar hóspede (e filho), em
minha casa, por quase três meses.
Como ele não tinha dinheiro, para
que pudesse tocar sua vida, dávamos toda alimentação e dinheiro para ônibus, e
para alguns lanches, já que ele precisava interagir com os jovens de sua idade.
Muitos sabiam falar inglês, e numa cidade pequena, sua história alastrou-se
facilmente nos arraiais evangélicos, e era constantemente convidado a dar seu
testemunho, chorando e fazendo as pessoas chorarem. Mostrava uma cicatriz no
rosto que dizia ser resultado do espancamento em uma das vezes que seu pai
conseguiu prendê-lo, muitos ficavam com pena dele e procuravam ajudá-lo – o
conselho missionário de nossa igreja resolveu dar uma pequena mesada para que
ele pudesse ter um pouco mais de flexibilidade financeira. Ele dormia e comia
em casa, eventualmente podia fazer um lanche na universidade e saia com os
jovens da igreja, que na maioria das vezes pagavam também suas despesas por
saberem de suas limitações financeiras.
Os problemas e os relatos
começaram a conflitar logo na primeira semana que chegou em casa. Ele nos disse
que naquela semana estava aniversariando e que estava sentindo muita falta da
família, especialmente de sua mãe, que o havia abandonado por causa de sua fé.
Ele fazia todo um drama e dizia não poder entender os motivos que levam uma
pessoa a agir assim, mas que a perdoava por causa de Jesus. Por compaixão e
cuidado, o levamos a uma churrascaria cara da cidade, e compramos um presente
para que seu aniversário fosse menos dolorido.
Naquela mesma semana, porém, de forma quase imperceptível, ele deixou aberto seu passaporte em cima da mesa e quando olhei a data de seu aniversário, era outra completamente diferente. Fiquei desconfiado, chamei a Sara e não tinha outra coisa a fazer senão questioná-lo. Ele ficou desconcertado mas disse que isto era muito comum na cultura dele que os pais registrassem o filho em datas diferentes, apesar de não ficar muito convencido de sua narrativa, deixei o assunto para lá e continuamos a caminhada.
Ele tinha muita dificuldade em interagir com jovens que não falassem inglês. Isto nos levou a questioná-lo. Se ele queria morar no Brasil, e estava estudando português num curso gratuito da universidade, ele deveria se esforçar para estar com os moços mesmo que não soubesse a língua. Ele, contudo, não se esforçava para isto. Dormia até tarde e isto começou a dificultar a dinâmica da casa. Minha esposa colocava a mesa, e ele se assentava para tomar café da manhã às 11.30 hs, não era de cobrar nada, mas quando a faxineira vinha fazer a limpeza da semana, a administração doméstica ficava complicada. arrumei um emprego para que ele trabalhasse no restaurante da Universidade, ele foi para a entrevista, e apesar de não falar português, um diácono da igreja lhe deu emprego, mas ele só trabalhou uma tarde lá e não retornou nem para agradecer. Sua falta de garra para a vida e preguiça eram desanimadoras. justificou-se dizendo que não conseguiria trabalhar por causa da língua, hoje acho que era pura preguiça mesmo.
Um dia ele pediu para trazer um grupo de jovens para brincar de badmint em casa. Nós tínhamos uma quadra e uma pequena piscina e era realmente um lugar agradável, naturalmente permitimos, mesmo que não estivéssemos em casa em geral não nos afastamos muito, e era comum sair para uma visita, trabalho, supermercado. Sara comprou algumas coisas para ele receber os amigos, e deixou alguns refrigerantes e bolos disponíveis. Naquele final de semana, recebi um irritado telefonema do pai de uma garoto que viera ao encontro, ele era militar e de uma igreja neo-pentecostal, me questionou sobre o David, dizendo que ele havia assediado sua filha e que queria denunciá-lo na polícia. Me perguntou quem era o rapaz, expliquei o projeto de acolhimento aos imigrantes, mas ele continuou irritado e disse que precisava conversar com ele. Como não havia dado grandes motivos de suspeita, conversei com ele, que se justificou dizendo que foi ela quem ficou dando em cima dele, e que nada errado havia acontecido, nem mesmo um abraço ou beijo. O assédio, me pareceu apenas um cortejo, normal para jovens em busca de namoro.
Logo em seguida, porém, ele começou a namorar com uma garota de uma família muito querida. Ficamos surpresos com a novidade, e as coisas começaram a caminhar com aquele clima do filme "out of Africa", quando uma mulher branca se apaixona por um negro, e tem que lidar com cultura, língua, raça e cor diferente. Não nos sentíamos desconfortáveis com o fato, embora não soubesse exatamente onde isto iria acabar. Os gaps culturais e sociais eram imensos, mas não seríamos nós a criar qualquer problema. Eles estavam apaixonados, e namoro é apenas um tempo para se conhecer, não estavam fazendo nada errado.
Na primeira viagem os problemas com a namorada começaram a acontecer, frutos da diferença cultural em boa parte. o namoro não foi adiante, creio que para bem de ambos.
Nos EUA vieram as primeiras informações sobre o David, revelando que as coisas não eram exatamente o que ele contava. o enredo e narrativa eram outros.
Uma médica americana, evangélica, já tinha contato com ele desde Uganda, e a realidade não era nem de perto o que ele relatava. Na verdade, esta mulher o ajudara desde a época em que ele participava de um projeto social no seu país, do tipo que a Visão Mundial faz no Brasil, e desde cedo, menino pobre, estava nestes encontros nos quais recebia alimentação, reforço escolar. Aquela mulher esteve em contato conosco e nos relatou que foi parceira no seu sustento durante anos, e que o ajudava nos estudos e naquelas parcerias que foram feitas para se adotar uma criança de terceiro mundo, enviando presentes, dinheiro, apoio financeiro. Ele não era de uma família islâmica, seu pai não era líder religioso, nem sua mãe era juíza. Todo o enredo sobre perseguição e os cenários de 007, na verdade, eram frutos de sua criação imaginativa, a ideia foi aceita e reforçada na medida em ele a contava, e isto passou a fazer parte de sua história - talvez ele mesmo estivesse acreditando no seu drama. Além do mais, histórias mirabolantes atraem a atenção e ele conseguia contá-las de uma forma tão dramática, teatralizada e cenográfica, que lhe rendeu dividendos e atraiu os olhares que ele, como menino pobre, jamais tivera na sua infância.
Outras histórias começaram a aparecer.
Ele não tinha apenas uma identidade, na verdade descobrimos cinco outras. Todas suas diferentes identidades e nomes nos levou a ter receio dele. Já não sabíamos mais com quem estávamos lidando, nossa confiança ruiu. Fotos e documentos que ele trazia revelavam outros aspectos que denunciavam toda farsa. A médica que o havia sustentado por tanto tempo sentia-se traída e mandava informações documentais, incluindo fotos, demonstrando que ele não era quem dizia ser.
Descobrimos ainda mais: O sobrenome dele era falsificado. Como ele conseguiu isto, não fazemos a mínima ideia. Ele veio para o Brasil com o passaporte com este sobrenome. Um dia, descobrimos entre os amigos do facebook dele, alguém que tinha o mesmo sobrenome. Era mais uma pista deste universo de mentira e fantasia que ele estava criando. Entramos em contato com a pessoa que residia na Austrália, era um homem crente, com seus 50 e pouco anos, que tinha dedicado um tempo com sua família para apoiar as crianças no programa de cuidado com crianças pobres que sua igreja estava financiando na Uganda, e do qual, David fez parte como menino. David andava com seus filhos e participava das atividades que eles desenvolviam, eventualmente até da casa deste senhor. Pois bem, ele adotou exatamente o nome deste homem e seu passaporte tinha tal sobrenome. Quando aquele "missionário" ficou sabendo o que havia acontecido, porque mandamos cópia do passaporte do David com seu sobrenome, ele ficou profundamente irritado. Não sabemos o que eles conversaram, mas o nome deste homem foi desde então, cortado dos "amigos" do face, que David possuía.
Compartilhei estas informações recebidas com a liderança do programa de assistência ao imigrante. Tentamos demonstrar todas as implicações. Apesar de nunca termos ficado "com medo" do David, que nunca nos pareceu uma pessoa ameaçadora mesmo quando acuado, a estas alturas não queríamos mais tê-lo em casa. O advogado do programa entrou em contato conosco, e, lamentavelmente, apesar de todas as evidências, ele pareceu não dar muito crédito aos fatos. Procurou justificá-lo através da cultura, dizendo que isto era própria de alguns segmentos africanos, e o lembramos que "a mentira tinha paternidade identificada, e que era sempre oposta da luz". O diálogo não foi muito tenso, mas deixamos claro nossa posição.
Precisávamos ainda fechar esta "gestalt", numa conversa final.
Temeroso da reação dele, marquei o encontro no escritório da igreja, convidei o Pr. Potenciano para nos acompanhar, e o meu filho que estivera envolvido desde o início no apoio, e que agora se sentia culpado em nos ter colocado nesta situação, embora nós estivéssemos convencidos de que o que fizemos estava tudo certo. A conversa não foi nada animadora. Falamos da médica americana que havia ajudado tantas vezes a sua vida, ele não negou que a conhecia, e que havia recebido dinheiro dela por vezes sem conta, mas quis criar outra estória, e nós o encorajamos a dizer a verdade. Ele recusou peremptoriamente. Trouxemos a baila o seu sobrenome que ele adotara do "missionário australiano", e ele negou que fosse nome falso. Nossa ira aumentou consideravelmente, e ele se manteve na defensiva, reativo, justificando-se, dizendo que a verdade viria à tona, e que um dia saberíamos que ele nunca mentira em nada. A sensação que tive é que o nível de mentira e fantasia era tão forte na sua vida, que a verdade seria suprimida para sempre em seu coração,. Fiquei triste por ele. Depois e o instigarmos bastante, sem arrancar dele a confissão, eu lhe disse que levaríamos suas coisas para o antigo quarto de onde o tiramos, que eu contaria à liderança da minha igreja o que havia acontecido, e que ele estava proibido de andar com os adolescentes da igreja (ele não gostava de andar com os jovens, mas com a turma mais nova...)
Existe um tablóide inglês escandaloso, que já fui condenado a pagar altas multas por criar estórias, enredos e dramas sobre a vida de pessoas famosas, mas o resultado e a visibilidade dele é tão grande, que preferem continuar respondendo a processos criminais e inventando narrativas. Certo historiador que analisou o comportamento deste tablóide disse que "ele jamais falaria a verdade se pudesse construir um bom enredo", pois a notícia era mais importante que a verdade. Ela vendia!
Pegamos suas coisas em casa, ligamos para o centro de apoio ao imigrante, conversamos com o mentor, e o devolvemos para o lugar de onde viera, depois de tê-lo quase três meses conosco.
De lá para cá, pouco soubemos de sua vida.
Andou dando "testemunhos" miraculosos nas igrejas de Anápolis e depois, conseguiu um visto para os EUA, onde, até onde sabemos, reside atualmente. certamente sua versão conseguiu convencer outras pessoas.