Um dos meus 9 tios do lado materno (do
lado paterno eram 10) era, de longe, o predileto de minha mãe. Com razão, já
que o mesmo sempre a visitava e era o único que morava na mesma cidade. Gostava
de almoçar e tomar café em nossa casa, era companheiro de meus pais em dias
difíceis, embora discordassem profundamente nas coisas espirituais. Por
diversas vezes meus pais tentavam comunicar o evangelho e falar do plano da
salvação em Cristo, mas sua resposta era sempre um incomodo silencio.
Quando resolvia falar, era sempre para
contraditar, gerar questões, não de forma declarada, mas dialética: “Eu não sei
se Deus existe com tanto sofrimento...“. Ou, “Eu não sei se existe esta coisa
de céu e inferno“ ou ainda “Por que existem tantas religiões se Deus é um sõ?“.
Quem lida com comunicação das verdades da Bíblia sabe que estes argumentos
revelam o fato de que coisas espirituais realmente não são tão importantes para
tais pessoas.
Ele era boêmio por natureza. Gastava
suas noites bebendo, fumando e jogando. Às vezes perdia, noutras ganhava, e
muitas vezes passava não apenas horas, mas dias e noites inteiras, ao redor de
uma mesa de jogo. Tinha um temperamento forte e não era de levar desaforos para
casa, algumas vezes chegou a empunhar armas para inibir seus desafetos. Gostava
de dirigir em alta velocidade e detestava toda limitação física. Parecia ser
dominado pelo pensamento mágico de que a enfermidade não o dominaria. Por isto
não se entregava, nem se rendia.
Herdou de sua mãe uma propensão à pressão
e colesterol altos, coisas estas que, infelizmente, também herdei, mas ele
rejeitava se submeter aos tratamentos médicos, tomar remédios, e muito menos
fazer qualquer dieta. Com o tempo, tornava-se claro que ele gostava mesmo de
ser contraventor. Se lhe era dito para não comer comidas gordurosas, torresmos
e frituras, era exatamente isto que ele queria nas refeições.
Com pouco mais de 60 anos, seu corpo
sucumbiu e ele teve seu primeiro AVC., e daí para a frente seu quadro de saúde
foi se complicando. Isto não o intimidou, pois ele parecia realmente acreditar
que nada deveria limitá-lo. Veio assim o 2º AVC, que definitivamente o
fragilizou, tendo de ser deslocado para Belo Horizonte, em busca de melhores
tratamentos, num pequeno monomotor com UTI móvel para a capital mineira.
Ali, pela primeira vez, começou a
admitir a possibilidade de buscar a Deus. Se por oportunismo ou necessidade,
nunca o saberemos, mas quando a saúde permitia, ia atrás de igrejas
pentecostais que anunciavam curas físicas, mas seu quadro se complicava cada
vez mais. Os excessos de jogatina, bebida e especialmente do cigarro parecia
ter deixado danos permanentes e irreversíveis.
Por alguns meses esteve internado em
Belo Horizonte, e algumas pessoas, entre elas minha mãe e eu, orávamos, não
apenas pela sua saúde, mas pela sua vida espiritual tão relapsa e distanciada
de Deus. Neste tempo eu estava morando fora do Brasil e muitas vezes orei por
ele. Numa noite, ele teve uma visão, alucinação ou sonho. Via-me acompanhado de
uma pessoa vestida de branco, cujo rosto ele não conseguia distinguir, se
aproximando do seu leito de hospital e orando por ele. No dia seguinte, queria
me ver e perguntou para a acompanhante onde eu estava com aquele homem, porque
a nossa presença tinha trazido muita paz ao seu coração, quando as pessoas
disseram que eu não estivera ali, ele foi veemente em afirmar que sim.
Infelizmente ele não resistiu a
enfermidade, vindo a falecer algum tempo depois. Desde que este episódio me foi
narrado, tenho tentado entender seu significado. Será possível que a
intercessão se torne assim tão concreta que se materialize a favor de outras
pessoas? Que significado este episódio teve para sua vida?. Em Atos 12 lemos
que, enquanto a igreja orava a favor de Pedro, um anjo abriu as portas da
prisão por onde ele pode sair. Teríamos vivido alguma coisa semelhante aos dias
primitivos com este evento? Teria Deus enviado um anjo para consolar meu tio,
por causa da oração que fazíamos a seu favor?
Nunca teremos respostas conclusivas a
estas perguntas, mas para meu tio, naquela cama de hospital, aquela experiência
fora profundamente real.
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