Conheci o Sr. Arão já com as graves e
conhecidas seqüelas de um brutal AVC. Ele não falava, embora tentasse fazê-lo
em todo o tempo, não andava, não se alimentava sozinho, e era muito mau
humorado. Sua esposa (Dona Maria das Dores), era, de fato, uma mulher de dores.
De forma amorosa e paciente, cuidava de seu marido, numa jornada exaustiva que
exigia dela atenção integral, 24 horas ao dia, 7 dias por semana e todos os
dias do ano. Por esta razão, não tinha vida social e raramente aparecia na
igreja.
Todos temíamos pela saúde dela, sempre muito frágil
e com uma cardiopatia tão severa que nos levava a indagar por quanto tempo
sobreviveria, temíamos por sua saúde porque moravam os dois sozinhos num
apartamento próximo a igreja da Gávea, no Rio de Janeiro. Se acontecesse um
problema com d. Maria das Dores? E se ela tivesse um infarto, uma possibilidade
muito real – quem cuidaria do Sr. Arão com sua intransigência e sem muitos
recursos financeiros?
Quando a indagávamos sobre sua saúde ela
sempre respondia: “Vamos levando como Deus quer”. Não era de reclamar, fazia
silenciosamente sua tarefa, cuidando do seu marido, ajudando-o a tomar banho,
fazendo a comida em casa e colocando na sua boca, sem murmurar, sem reclamar.
Um dia, o que temíamos aconteceu.
D. Maria das Dores foi levada para o hospital
com um infarto violento. Já na ambulância os primeiros socorros foram feitos,
mas apesar dos esforços dos paramédicos, foi levada para o hospital e ali teve
uma parada cardíaca. O que vai acontecer agora? O Sr. Arão foi deixado sozinho
e a família contactada para dar um apoio nesta hora. Estas mudanças são difíceis
de serem reorganizadas, quem já passou por fases como estas sabe quão complexo
isto pode ser e quanto stress causa para a família. Como ficaria a situação do
Sr. Arão? Quem cuidaria dele? Algum filho poderia vir morar com ele ou ele iria
morar com um dos filhos? Como lidar com o seu mau humor e suas exigências? Quem
daria a noticia ao Sr. Arão da morte de sua diligente esposa?
Para surpresa de todos, ao chegarem no quarto
para comunicar o óbito, descobriram que ele também havia falecido.
A igreja fez a cerimônia fúnebre com os dois caixões
lado a lado. Um único ato litúrgico para despedirem deste casal, que de forma tão
surpreendente havia morrido no mesmo dia.
Entre os amigos e próximos, ficava a pergunta:
“Qual será a reação de D. Maria das Dores ao perceber que ela mal havia dado
entrada na glória celestial e viu seu marido chegando para ser recebido no
mesmo ambiente?”. Que surpresa! Ao ver seu marido certamente se surpreendeu por
vê-lo chegando quase ao mesmo tempo.
Uma pessoa um pouco mais irônica respondeu: Ela
deve ter dito: “Meus votos foram feitos até que a morte nos separe...”
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