sexta-feira, 25 de julho de 2014

Que surpresa!



 Conheci o Sr. Arão já com as graves e conhecidas seqüelas de um brutal AVC. Ele não falava, embora tentasse fazê-lo em todo o tempo, não andava, não se alimentava sozinho, e era muito mau humorado. Sua esposa (Dona Maria das Dores), era, de fato, uma mulher de dores. De forma amorosa e paciente, cuidava de seu marido, numa jornada exaustiva que exigia dela atenção integral, 24 horas ao dia, 7 dias por semana e todos os dias do ano. Por esta razão, não tinha vida social e raramente aparecia na igreja.

Todos temíamos pela saúde dela, sempre muito frágil e com uma cardiopatia tão severa que nos levava a indagar por quanto tempo sobreviveria, temíamos por sua saúde porque moravam os dois sozinhos num apartamento próximo a igreja da Gávea, no Rio de Janeiro. Se acontecesse um problema com d. Maria das Dores? E se ela tivesse um infarto, uma possibilidade muito real – quem cuidaria do Sr. Arão com sua intransigência e sem muitos recursos financeiros?

Quando a indagávamos sobre sua saúde ela sempre respondia: “Vamos levando como Deus quer”. Não era de reclamar, fazia silenciosamente sua tarefa, cuidando do seu marido, ajudando-o a tomar banho, fazendo a comida em casa e colocando na sua boca, sem murmurar, sem reclamar.

Um dia, o que temíamos aconteceu.

D. Maria das Dores foi levada para o hospital com um infarto violento. Já na ambulância os primeiros socorros foram feitos, mas apesar dos esforços dos paramédicos, foi levada para o hospital e ali teve uma parada cardíaca. O que vai acontecer agora? O Sr. Arão foi deixado sozinho e a família contactada para dar um apoio nesta hora. Estas mudanças são difíceis de serem reorganizadas, quem já passou por fases como estas sabe quão complexo isto pode ser e quanto stress causa para a família. Como ficaria a situação do Sr. Arão? Quem cuidaria dele? Algum filho poderia vir morar com ele ou ele iria morar com um dos filhos? Como lidar com o seu mau humor e suas exigências? Quem daria a noticia ao Sr. Arão da morte de sua diligente esposa?

Para surpresa de todos, ao chegarem no quarto para comunicar o óbito, descobriram que ele também havia falecido.

A igreja fez a cerimônia fúnebre com os dois caixões lado a lado. Um único ato litúrgico para despedirem deste casal, que de forma tão surpreendente havia morrido no mesmo dia.

Entre os amigos e próximos, ficava a pergunta: “Qual será a reação de D. Maria das Dores ao perceber que ela mal havia dado entrada na glória celestial e viu seu marido chegando para ser recebido no mesmo ambiente?”. Que surpresa! Ao ver seu marido certamente se surpreendeu por vê-lo chegando quase ao mesmo tempo.


Uma pessoa um pouco mais irônica respondeu: Ela deve ter dito: “Meus votos foram feitos até que a morte nos separe...”

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